sábado, 2 de março de 2013

Minhas Haydées



Foram muitas as minhas Haydées, mas nenhuma tão única quanto a minha Haydée. Professora de Língua Portuguesa, cara fechada, brava até onde não podia mais. A escola em peso, incluindo funcionários, professores e administração, tremia sob a voz de trovão de Haydée. Mesmo assim, é dela que sinto mais saudades.

Não foi a única, várias outras professoras, com quem cruzei pelo caminho, deixaram suas marcas incontestáveis. A doce Sara, da 1ª série, que não me ensinou as primeiras letras, mas que revelou a nós, tímidos escritores, o segredo das palavras. A Nilma, tão calma e tímida que, além do nome, guardo pouquíssimas lembranças, somente sua voz aveludada. Até a professora Isabel (de quem eu morrida de medo!), uma senhora grande e carrancuda, que fez com que eu dormisse, até pouco tempo, com os ouvidos tampados com coberta, braço ou o que fosse, tudo por medo de que algum mosquito os invadissem durante o meu sono e deixassem ali as suas larvinhas (absurdo!). Mas até hoje, quando ouço o bater de asas de insetos no meu quarto à noite, quando estou quase pegando no sono, cubro, como por instinto, a cabeça. Isso faz com que eu pense muito no que vou falar para os meus pequenos. As professoras Rute e Yolanda (5ª e 6ª séries ), que me ensinaram o valor da nossa história, de tal modo e tão profundamente, que não tive dúvidas quando escolhi o curso ao chegar na faculdade pela primeira vez.

A primeira, e única, nota vermelha (de Matemática, é claro!), com a professora Sonia. A terrível marcou a prova de recuperação em um sábado de manhã! Passei a semana toda pensando em qual seria a desculpa que daria a minha mãe para sair de casa em pleno sábado de manhã: ir a igreja, não... Conhecíamos todos por lá e seria fácil ela descobrir que eu não tinha pisado no salão comunitário; ir até a casa da minha (até hoje) amiga Jocélia, mas às nove da manhã de um sábado? Não ia colar! Decidida a contar a verdade, o fiz aos prantos, na manhã da prova. Sou do tempo que ficar para recuperação era passível de uns bons tapas na bunda! Isso explica tanto desespero. Os tapas não vieram, para a aluna que sempre tirava boas notas, era caxias e perfeccionista desde criança, uma recuperação já era castigo suficiente. Mesmo assim, jurei, naquele dia, que esta seria a primeira e a última vez. E foi, até agora pelo menos.

A professora Fanny, que nos mostrou, lá na 8ª série, que a leitura era mágica e que podíamos, nós mesmos, sermos aqueles a tirar o coelho da cartola. Lembro-me até, e muito bem, da Cida, que será ainda por muito tempo, modelo do tipo de profissional que eu nunca serei. Mas, nunca houve ninguém como Haydée.

Lembro quando cheguei à Escola Josué, o Verdão, na 6ª série. Escola nova, apenas um amigo – o Lindomar, com que estudei junto da 1ª a 8ª série – e a reputação da besta fera chegou bem antes dela. Os novos colegas de sala sussurravam que aquele ano não tinha escapatória, o monstro nos encontraria e, provavelmente, devoraria nossas cabeças... e devorou!

Devorou nosso cérebro e o que colocou no lugar mudou o mundo do eixo. A nossa língua mãe, em todo seu esplendor reinou, absoluta, durante os três anos em que minha Haydée deixou que eu fizesse parte da vida dela. Sim, deixou! Sua influência era tamanha que, além de não dar aulas para as 5ª séries, era ela quem escolhia os alunos que comporiam a salas, as classes eram montadas segundo as indicações dela.

Mas que maravilhosos foram aqueles anos. Foram estes os anos que completaram a minha alfabetização. Foram estes os anos que determinaram que hoje dificilmente eu esqueça a grafia correta de uma palavra. Foram eles que me fazem ter certeza do emprego correto da gramática, mesmo que não lembre quase nenhuma regra. Foram anos decisivos.

Lembro-me que o último ano foi o pior de todos. No meio da empolgação da formatura (Haydée e Sonia conseguiram, de graça, a melhor boate para a nossa festa), havia a certeza de que a nossa mentora não estaria lá. Era conhecido de todo o Verdão que Haydée não ia a formaturas. Na época diziam que era porque ela não se importava, hoje tenho a certeza de que ela se importava além da conta e não aguentaria ver seus rebentos irem embora... Nós, da 8ª série A, também sabíamos e não pedimos que ela fosse. Mas chorávamos, conforme o dia se aproximava, pois era ela que queríamos que entregasse o nosso canudo. Mas, mesmo assim, não pedimos que ela fosse. Ouvir o não de sua boca seria pior que tudo. Ela sabia, nós sabíamos... teria que ser suficiente. Então nos calamos.

Como consolação, convidamos como nossa paraninfa a professora Fanny, pupila de Haydée. Ela era nossa professora de redação, exigência da matrona professora de Língua Portuguesa, visto que muitos ali fariam, pela primeira vez, o vestibulinho (fiz dois neste ano, para o Magistério e para Processamento de Dados, adivinha por qual optei...). Para que as aulas acontecessem, ela cedeu duas aulas por semana para Fanny, em troca, ela dava aulas de gramáticas para uma sala de 5ª série. Ela odiava, mas era um sacrifício que fazia por nós e o aceitamos.

No dia da formatura estada tudo tão lindo... as meninas de branco, os garotos de social! Estávamos acostumados a tênis e não salto alto. Nossos pais pareciam tão orgulhosos, assim como nossos professores. Estava tudo perfeito... quase perfeito. Na hora da entrega dos canudos, nossa sala, a primeira, engoliu o choro. Nossa festa não seria completa naquela noite.

Um pouquinho da 8ª A...
Qual não foi nossa surpresa, quando o mestre de cerimônias chamou o paraninfo da 8ª A. Foi quando vimos, foi quando a vimos. Rasgando o corredor e atravessando o salão com passos firmes, decididos, tão ela. Era a nossa querida Haydée. Ah, não teve jeito, nossa sala desabou em um soluço misto de emoção e alívio e juro, de pés juntos, que a nossa maior vontade era correr para ela num abraço coletivo gigantesco, mas bastou um olhar dela para nos manter no lugar. Nas duas lágrimas que escorreram por suas faces, quando foi ovacionada de pé por todo o salão, ela dizia: “Estou aqui por vocês!” E isso nos bastava. Não teve uma única pessoa naquele lugar que não se emocionou com a gente naquela noite.

Prefiro dizer que foi pela surpresa de Haydée que desmaiei, pouco depois de pegar o canudo de suas mãos, e não por fome, por ter passado o dia inteiro sem comer (aquele dia fiz a entrevista, segunda etapa do vestibulinho, para tentar uma vaga no Cefan).

Foi perfeito! Meus melhores amigos, meus melhores professores, meus pais e a nossa Haydée. O que mais querer? Apenas que o momento durasse para sempre. Durou uma noite e sempre me emociono ao me lembrar dela.

Hoje, depois de quase 20 anos, tudo que quero dizer a ela e a todos os professores que, em maior ou menor medida, compartilharam seu mundo comigo e fizeram toda a diferença na minha vida, é um grande e sonoro muito obrigada!

Nenhum comentário:

Postar um comentário