quarta-feira, 17 de agosto de 2011

MEMÓRIAS

Só quem viu, dançou e cantou ao som desta batida sabe do que estou falando 
Ainda na onda de embalos de sábado à noite, os anos 80 chegaram coloridos, com muito brilho, ombreiras, calças coladas, mini saias e mangas bufantes. Sem falar nos acessórios, muitos acessórios, e a maquiagem excessivamente forte. Ainda que tenha ficado conhecida como a Década Perdida da América Latina, período caracterizado por grande estagnação econômica dos países ao sul do Equador, nenhum momento foi tão esfuziante como a década de 80 e por aqui não foi diferente.
O pior com certeza foram os cortes de cabelo, provavelmente poucos sentem saudades disso: aqueles cortes repicados sustentados a base de muito laquê e gel, potes e mais potes de gel! Lembro que minha mãe nessa época usava blush em creme, batom vermelho e pulseiras, brincos, anéis dourados. E olha que ela não era uma das mais exageradas. Definitivamente, não foi a época mais discreta!
A música disco dominava as paradas de sucesso, mas em casa ainda ouvíamos discos de vinil do Elvis Presley e Abba. Quem arrasava quarteirões mesmo era Prince, Duran Duran, Cyndi Lauper, Lionel Richie, George Michael, R.E.M, A-Ha, Beastie Boys, The Police, Phil Collins, The Pretenders. Mas eram Madonna e Michael Jackson os verdadeiros reis do pop. Juntos, influenciaram toda uma geração. No Brasil, as paradas de sucesso ficaram por conta de Blitz, Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Titãs, Ultraje a Rigor, RPM, Legião Urbana, Engenheiros do Hawaii, Ira!, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Capital Inicial, Camisa de Vênus, Plebe Rude, só citando alguns. O rock ia direto na veia na década de 80 e hoje fica claro que foram esses caras os responsáveis pela paixão irremediável de toda uma geração. Foi nessa década, também que perdemos Raul Seixas e Cazuza. É de oitenta a primeira edição do Rock in Rio e o nascimento do Heavy Metal (Yes!)
Vídeo Cassete?!?! Não tínhamos. Lembro de aguardar ansiosamente os filmes passarem na TV. Assim como me lembro até hoje do meu primeiro filme de terror - O Exorcista – meu pai foi obrigado a me fazer companhia, junto com a manta azul, com a qual eu cobria a cabeça toda vez que Regan torcia a dela. A manta já foi faz tempo, ficou o gosto pelos filmes B. Sexta-feira 13, O ataque dos Tomates Assassinos, Poltergeister, Boneco Assassino e a Coisa, são ícones da minha infância. Sessão da Tarde era parada obrigatória durante o dia, e não importava se estava passando de novo Conta Comigo (baseado no conto de Steven King), a cena das sanguessugas era sempre imperdível, mesmo que pela 99ª vez! Tubarão, Indiana Jones e Star Wars também reuniam a molecada em frente da telinha, com direito a pipoca e guaraná. Lembro de todas as crianças da rua fuzilando seus pais por conta da grande estreia de Lagoa Azul (um verdadeiro escândalo na época). Fiquei roxa de raiva quando descobri que a única coisa de Lagoa Azul era, realmente, uma lagoa muuuuuito azul. Qualquer novela das 8 de hoje, deixaria os cabelinhos loiro de Brooke Shields arrepiados.
Mas a noite o assunto ficava mais sério. Com o pai em casa, todos ficavam bem quietinhos para assistir ao Jornal Nacional. Foi nesse horário que vi o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim, a fome na Etiópia, o fim da Ditadura Militar, a eleição de Ronald Reagan, nos Estados Unidos e de Margareth Thatcher, no Reino Unido, o movimento Diretas Já, as primeiras eleições, a morte do recém eleito presidente Tancredo Neves, o governo de José Sarney, o plano Cruzado, inflação, Amapá e Rondônia virarem estados brasileiros. Foi também quando, pela primeira vez, ouvi a palavra AIDS, suas primeiras vítimas, a tão esperada Constituição. Na época, nada daquilo tinha muito significado para mim, mas eram acontecimentos decisivos para um país que desde 1964 vivia a sombra da Ditadura. O mundo estava mudando, eu nem percebia. Só hoje entendo o que foi a efervescência dos anos 80. Ainda bem que aos domingos tudo parava para vermos as palhaçadas, em horário nobre, do quarteto formado por Didi, Dedé, Mussun e Zacarias, era Os Trapalhões que entravam em cena.
Mas era de segunda a sexta que encontrávamos nossos heróis: era dia de Show da Xuxa. Caverna do Dragão, Thundercats, Liga da Justiça, As Aventuras do Super Man, além de Jaspion e Changeman (da extinta TV Manchete). Fui fã incondicional dos Ursinhos Carinhosos, Smurfs, Cavalo de Fogo e Punk, a Levada da Breca. Saudades dessa infância, saudade de ver crianças de verdade e não essas miniaturas de adultos que mal sabem brincar.
Não tínhamos videogame, só o riquinho do fim da rua tinha o privilégio, nem ficávamos na rua o dia inteiro. Nessa época, as mães ficavam em casa e os filhos não eram meros produtos de casamentos mal planejados. As famílias ainda seguiam o modelo tradicional (pai, mãe, filhos e o cachorro), não creio que essa mudança tenha sido de fato benéfica, ao menos não foi para as crianças. Ansiávamos por noites bem quentes, pois podíamos brincar na rua, sempre sob o olhar de um ou outro pai, e nos deliciávamos brincando de rouba bandeira, queimada, amarelinha, pula corda e, quando ficamos muito quietos, pode ter certeza que era o tal de “beijo, abraço, aperto de mão ou volta no quarteirão”, a brincadeira da vez. Eram os hormônios que timidamente começavam a se agitar. Muito timidamente mesmo! Nas noites mais frias, passávamos horas às voltas com o Jogo da Vida ou o Banco Imobiliário. E enquanto os meninos colecionavam carrinhos Bate e Volta e Comandos em Ação, as meninas brincavam com as Fofoletes e trocavam papéis de carta.(só a bem pouco tempo me desfiz dos meus). Mas juntava todo mundo para brincar de autópsia com o extraterrestre NEB ou de cinema com o Super Projetor de Desenhos, da Estrela. A propósito, nos anos 80, a Estrela dominava o mercado de brinquedos, todos de que me lembro eram dessa empresa. Sempre que vejo essa marca, viajo no tempo e volto a minha infância. Que vontade de voltar a ser criança que dá às vezes.
Mas criança de verdade, não esses arremedos de infância que vejo por ai, com cérebros bitolados, que não sabem nem comprar pão na padaria. Se eles fossem tele transportados para a minha infância, com certeza voltariam correndo de lá, aos berros. Provavelmente, sairiam a caça de um bom celular para “xingar muito no twitter” e quem sabe, se não estivessem ocupados demais tentado escapar do que, com certeza, parece um pesadelo, tirar uma foto para postar no Orkut, só assim alguém acreditaria que um dia, em algum lugar perdido no tempo, crianças, como as de hoje, brincavam de pé no chão, se encarapitavam em árvores a busca da pipa do grandão da rua de baixo e dividiam, no gargalo a mesma tubaína. Tudo isso sem medo de contrair uma terrível virose ou algo do tipo. Mas uma coisa é verdade, jamais nossas crianças conseguirão entender como foi bom ser criança naquele tempo...