Foram muitas as minhas Haydées,
mas nenhuma tão única quanto a minha Haydée. Professora de Língua Portuguesa,
cara fechada, brava até onde não podia mais. A escola em peso, incluindo
funcionários, professores e administração, tremia sob a voz de trovão de
Haydée. Mesmo assim, é dela que sinto mais saudades.
Não foi a única, várias
outras professoras, com quem cruzei pelo caminho, deixaram suas marcas
incontestáveis. A doce Sara, da 1ª série, que não me ensinou as primeiras
letras, mas que revelou a nós, tímidos escritores, o segredo das palavras. A
Nilma, tão calma e tímida que, além do nome, guardo pouquíssimas lembranças,
somente sua voz aveludada. Até a professora Isabel (de quem eu morrida de medo!),
uma senhora grande e carrancuda, que fez com que eu dormisse, até pouco tempo,
com os ouvidos tampados com coberta, braço ou o que fosse, tudo por medo de que
algum mosquito os invadissem durante o meu sono e deixassem ali as suas
larvinhas (absurdo!). Mas até hoje, quando ouço o bater de asas de insetos no
meu quarto à noite, quando estou quase pegando no sono, cubro, como por
instinto, a cabeça. Isso faz com que eu pense muito no que vou falar para os
meus pequenos. As professoras Rute e Yolanda (5ª e 6ª séries ), que me ensinaram o valor da nossa história, de tal modo e tão profundamente,
que não tive dúvidas quando escolhi o curso ao chegar na faculdade pela
primeira vez.
A primeira, e única, nota
vermelha (de Matemática, é claro!), com a professora Sonia. A terrível marcou a
prova de recuperação em um sábado de manhã! Passei a semana toda pensando em
qual seria a desculpa que daria a minha mãe para sair de casa em pleno sábado
de manhã: ir a igreja, não... Conhecíamos todos por lá e seria fácil ela
descobrir que eu não tinha pisado no salão comunitário; ir até a casa da minha
(até hoje) amiga Jocélia, mas às nove da manhã de um sábado? Não ia colar!
Decidida a contar a verdade, o fiz aos prantos, na manhã da prova. Sou do tempo
que ficar para recuperação era passível de uns bons tapas na bunda! Isso
explica tanto desespero. Os tapas não vieram, para a aluna que sempre tirava
boas notas, era caxias e perfeccionista desde criança, uma recuperação já era
castigo suficiente. Mesmo assim, jurei, naquele dia, que esta seria a primeira
e a última vez. E foi, até agora pelo menos.
A professora Fanny, que
nos mostrou, lá na 8ª série, que a leitura era mágica e que podíamos, nós
mesmos, sermos aqueles a tirar o coelho da cartola. Lembro-me até, e muito bem,
da Cida, que será ainda por muito tempo, modelo do tipo de profissional que eu
nunca serei. Mas, nunca houve ninguém como Haydée.
Lembro quando cheguei à
Escola Josué, o Verdão, na 6ª série. Escola nova, apenas um amigo – o Lindomar,
com que estudei junto da 1ª a 8ª série – e a reputação da besta fera chegou bem
antes dela. Os novos colegas de sala sussurravam que aquele ano não tinha
escapatória, o monstro nos encontraria e, provavelmente, devoraria nossas
cabeças... e devorou!
Devorou nosso cérebro e o
que colocou no lugar mudou o mundo do eixo. A nossa língua mãe, em todo seu
esplendor reinou, absoluta, durante os três anos em que minha Haydée deixou que
eu fizesse parte da vida dela. Sim, deixou! Sua influência era tamanha que,
além de não dar aulas para as 5ª séries, era ela quem escolhia os alunos que
comporiam a salas, as classes eram montadas segundo as indicações dela.
Mas que maravilhosos
foram aqueles anos. Foram estes os anos que completaram a minha alfabetização.
Foram estes os anos que determinaram que hoje dificilmente eu esqueça a grafia
correta de uma palavra. Foram eles que me fazem ter certeza do emprego correto
da gramática, mesmo que não lembre quase nenhuma regra. Foram anos decisivos.
Lembro-me que o último
ano foi o pior de todos. No meio da empolgação da formatura (Haydée e Sonia
conseguiram, de graça, a melhor boate para a nossa festa), havia a certeza de
que a nossa mentora não estaria lá. Era conhecido de todo o Verdão que Haydée
não ia a formaturas. Na época diziam que era porque ela não se importava, hoje
tenho a certeza de que ela se importava além da conta e não aguentaria ver seus
rebentos irem embora... Nós, da 8ª série A, também sabíamos e não pedimos que
ela fosse. Mas chorávamos, conforme o dia se aproximava, pois era ela que
queríamos que entregasse o nosso canudo. Mas, mesmo assim, não pedimos que ela
fosse. Ouvir o não de sua boca seria pior que tudo. Ela sabia, nós sabíamos...
teria que ser suficiente. Então nos calamos.
Como consolação,
convidamos como nossa paraninfa a professora Fanny, pupila de Haydée. Ela era
nossa professora de redação, exigência da matrona professora de Língua
Portuguesa, visto que muitos ali fariam, pela primeira vez, o vestibulinho (fiz
dois neste ano, para o Magistério e para Processamento de Dados, adivinha por
qual optei...). Para que as aulas acontecessem, ela cedeu duas aulas por semana
para Fanny, em troca, ela dava aulas de gramáticas para uma sala de 5ª série.
Ela odiava, mas era um sacrifício que fazia por nós e o aceitamos.
No dia da formatura
estada tudo tão lindo... as meninas de branco, os garotos de social! Estávamos
acostumados a tênis e não salto alto. Nossos pais pareciam tão orgulhosos,
assim como nossos professores. Estava tudo perfeito... quase perfeito. Na hora
da entrega dos canudos, nossa sala, a primeira, engoliu o choro. Nossa festa
não seria completa naquela noite.
Um pouquinho da 8ª A... |
Prefiro dizer que foi
pela surpresa de Haydée que desmaiei, pouco depois de pegar o canudo de suas
mãos, e não por fome, por ter passado o dia inteiro sem comer (aquele dia fiz a
entrevista, segunda etapa do vestibulinho, para tentar uma vaga no Cefan).
Foi perfeito! Meus
melhores amigos, meus melhores professores, meus pais e a nossa Haydée. O que
mais querer? Apenas que o momento durasse para sempre. Durou uma noite e sempre
me emociono ao me lembrar dela.
Hoje, depois de quase 20
anos, tudo que quero dizer a ela e a todos os professores que, em maior ou
menor medida, compartilharam seu mundo comigo e fizeram toda a diferença na
minha vida, é um grande e sonoro muito obrigada!