sábado, 28 de agosto de 2010

FOLHAS VERDES

Mal sabia ele o que estava para acontecer. Provavelmente se soubesse não teria nem se levantado da cama naquele dia fatídico. Mais tarde, ao se lembrar do ocorrido, estremeceria a tal ponto que se sentiria doente.

Tudo começou quando chegou ao escritório de contabilidade onde trabalhava há mais de dez anos e encontrara a segunda gaveta de sua mesa aberta. Não, não estava apenas entreaberta, estava escancarada, mostrando a quem quisesse ver o seu conteúdo. Estarrecido aproximou-se e, com medo do que pudesse não encontrar, inspecionou seu conteúdo. A princípio não sentiu falta de nada. Foi quando, sob um olhar mais atento, percebeu que as folhas verdes, em que escrevera na semana passada, não estavam no fundo da gaveta, lugar a que foram relegadas depois do acesso de fúria.

Ele sempre fora assim, um homem de poucas palavras, além de não ter boca para nada. Engolia os sapos da vida com resignação paciente, algo que na verdade lhe fazia mais mal do que bem. A única coisa que fazia sentido para ele eram os números, a quem se dedicava, tal como um amante atencioso, por toda sua vida. Após um casamento arruinado e anos de terapia sem conseguir os resultados esperados, que seria literalmente soltar o verbo, foi apresentada a ele a única solução que talvez lhe trouxesse um pouco de alento e menos dores estomacais: escrever. Escrever tudo que gostaria de dizer mas que lhe faltavam palavras para dar fim a sua agonia.
E assim, desde esse dia, deu-se a escrever sobre todo e qualquer ocorrido que lhe chateasse. Escrevia injúrias sobre o síndico, o porteiro do prédio, a cachorra histérica da vizinha que latia até de madrugada, a ex-mulher lamuriosa sempre reclamando da pensão, a senhorinha do escritório que insistia em fazer água de batata ao invés de café de verdade. Sempre nas mesmas folhas verdes do caderno sem pauta que comprara especialmente para esse fim. Sempre o mesmo ritual: soltava desaforos em prosa, e mesmo verso quando se sentia inspirado, então arrancava a folha, dobrava cuidadosamente, e a guardava por alguns dias, até que a raiva passasse, para só então picotar as malditas, como se rasgasse a própria raiva, e as jogava fora.
Aquela semana não havia sido diferente. Após ouvir desaforos da chefe ninfomaníaca, sentou-se em seu cubículo e escrevera três folhas dos mais lindos xingamentos, quase todos impublicáveis. Falou sobre sua falta de capacidade de liderança, sua educação falha, seu reinado de ódio e terror em que tratava a todos os subordinados como lixo, além de flertar descaradamente com todos os eventuais entregadores da Fedex que vez ou outra passavam por ali, sendo motivo de piada o fetiche da dita cuja. E como sempre arrancou as folhas, dobrou-as meticulosamente e as jogou no fundo da gaveta, sabia que bastariam alguns dias para tudo voltar ao normal e depois que o stress sofrido passasse, picotaria e jogaria fora as folhas.
Enfim, era exatamente isso que faltava em sua gaveta: as terríveis folhas verdes, aquelas em que escrevera as verdades impronunciáveis sobre sua chefe. Suando frio e temendo o pior, saiu do cubículo e rumou para o bebedouro, a garganta estava seca, apertada num grito que ele sabia que nunca daria. Trêmulo encheu o copo descartável e o sorveu tal qual o náufrago que há dias não bebe água fresca. Nesse momento, como se fosse possível ficar mais pasmo, olhou o mural de frente ao bebedouro e o que viu o fez desejar que o chão se abrisse e o engolisse: eram as três folhas verdes, ainda com as marcas de dobra, organizadas uma ao lado da outra, escancaradas, expondo ele a toda espécie de vergonha.
Com certeza seria demitido, talvez até processado, seu segredo descoberto seria a causa de sua ruína. Nesse momento, em que já se via arrastando as correntes de uma malfadada prisão, sentiu uma mão suave em seu ombro. Sabendo ser esse o fim de tudo, virou-se lentamente. A voz sussurrou:
- Fui pegar um grampeador na sua gaveta, as folhas vieram juntas e caíram no chão, li sem querer. Estava ali tudo que sempre quis falar e não tive coragem. Não se preocupe, não contei a ninguém que foi você.
Ele ouvia a tudo isso como se escutasse uma piada de mau gosto, mas isso não foi o pior, chegou perto deles o que sabia da vida de todo mundo naquele lugar. Veio com ares de importância, como se tivesse descoberto o segredo para fazer chover no sertão. Conspirou:
- Estão sabendo da novidade? Estão dizendo por ai que a megera foi mandada embora, os donos leram a tal cartinha ai – falou apontando pra o mural, e segurando o incrédulo homem pelo braço continuou – mas o melhor você não sabe. Estão dizendo que quem vai ocupar o lugar dela é você. Parabéns cara!
Naquela mesma noite, já deitado na cama, repassando o dia em flashes, mal acreditando em tudo que lhe acontecera, ainda estava assustado demais, tão assustado que só conseguiu dizer um sim apertado quando lhe ofereceram o cargo da ex-chefe. A única coisa em que conseguia pensar era que agora, provavelmente, iria precisar de muitas folhas verdes.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

FIM


Descanse sua cabeça

Abra-a para que os sonhos venham

Esqueça o que aconteceu

Deixa o tempo apagar as marcas

Não de atenção demais

Nem sempre vale a pena

Sempre não existe

Tudo acaba, e como acaba é tudo o que podemos escolher

SOBRE INTOLERÂNCIA E POLÍTICOS


Essa semana vai ser daquelas...


Daquelas em que não consigo ouvir muitas abobrinhas e ficar de boca fechada sem soltar uma ironia. Cuidado, essa semana minha língua está afiadíssima. Nesses dias é que lembro que detesto gente que fala demais. Detesto gente que fala demais e não tem nada a dizer. Gente que fala demais, não tem nada a dizer e não sabe ouvir.


Pq tem gente que acha que por fazer comunicação social você tem que falar, falar, falar e falar! Não!!!! Um bom comunicador tem que, antes de tudo, saber ouvir. Nunca vou me esquecer de um político que, durante o intervalo de uma entrevista, ao achar que o sistema de vídeo e áudio estava desligado, começou a falar todas as falcatruas que fazia, se gabando, achando-se o mais esperto (assim como todo brasileiro que se preza, pois por aqui o que vale é ser esperto). Detalhe, o sistema de som não estava desligado, e a "entrevista" foi transmitida ao vivo para milhares de pessoas que tinham tv a cabo.


E o jornalista que conduzia a entrevista? Ele não falou nada, nem uma única palavra. Ele ficou sentado ao lado do político, prestando atenção educadamente a tudo que o outro falava, mas não fez uma única pergunta sequer. Deixou o sujeito se enforcar sozinho. Ele ouviu e é exatamente o que a maioria de nós devia fazer mais vezes: falar de menos e ouvir demais.